O Ministério da Cultura (MinC) inicia nesta semana uma série de entrevistas com os novos secretários da gestão do ministro Roberto Freire. A primeira delas é com o secretário-executivo João Batista de Andrade. Cineasta e escritor, Andrade foi secretário de Cultura do estado de São Paulo e, nos últimos quatro anos, presidente do Memorial da América Latina, em São Paulo.
A larga experiência na área cultural e a amizade de quase 30 anos com Freire rendeu a possibilidade de atuação conjunta no MinC. Segundo Andrade, que militou contra a ditadura militar e acredita na democracia e nas suas inúmeras possibilidades de mudança, a oportunidade de renovação e inserção de boas ideias em uma área tão vital para o País, como a cultura, não poderia ser perdida. “Por que não participar?”, questiona.
“A gente tem pensado muito no fim, que é a população. É importante pensar sempre que estas políticas têm de beneficiar a população. Em tudo, a gente tem que fazer as seguintes perguntas: ‘Qual é o efeito disso sobre a população? O que vai melhorar na vida das pessoas?’. Essas ideias vão permear bastante a política cultural desta gestão”, afirma o secretário.
João Batista de Andrade defende o diálogo, sobretudo para ouvir os servidores e funcionários do MinC. “(Eles contam) com uma experiência que é fundamental para não cometermos os mesmos erros e, se possível, inovarmos alguma coisa”, destaca.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com o secretário:
Quais são os principais desafios que esta gestão enfrentará?
O Ministério da Cultura sofreu muito com tantas mudanças nesses últimos anos. A quantidade de ministros que passaram por aqui, os secretários-executivos, é preciso dar uma reordenada no próprio ministério. Isso é uma coisa que está tanto no ministro quanto em mim. O ministro conta com essa ligação muito forte que eu tenho com os movimentos culturais. Não à toa, meu celular e meu e-mail agora ficam carregados de demandas das diversas áreas culturais, principalmente por causa da Lei Rouanet e do cinema. Isso mostra que as pessoas, de fato, enxergaram, na minha presença, a possibilidade de um diálogo mais localizado na área da cultura. O desafio é este: refazer essas ligações fortes com o mundo da cultura e ajudar o ministro a reorganizar o ministério, dar credibilidade para as ações do ministério.
Há algum desafio mais imediato?
Um deles é a Lei Rouanet. Eu e o ministro estamos empenhados para que haja uma renovação sem destruir a lei. O que precisa é melhorar a lei, tirar os absurdos, (dar) limites para a ação da lei; reduzir a desburocratização, com menos tempo na prestação de contas, e também alguma forma de descentralização (de recursos) para que possa atender o Brasil como um todo.
Eu não sou desses que ficam demonizando a Lei Rouanet pelos defeitos. Eu acho que os defeitos fazem parte do processo da lei. Por isso, a gente precisa analisar bem os defeitos para saber por que eles acontecem e adequar a lei com base nisso.
Na sua área de atuação profissional, o audiovisual, quais aprimoramentos podem ser feitos?
Um ponto de teremos de enfrentar é a dualidade no funcionamento da Ancine. O fato de ser uma agência reguladora e uma fonte de financiamento do setor. É uma coisa para se estudar com calma, de modo a preservar a Ancine, a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet. Uma grande preocupação minha é que a gente tenha uma nova gestão que seja capaz de repensar a Ancine a partir das conquistas que foram feitas. E foram muitas nesses anos todos, desde a criação. Esse é o trabalho que a gente está fazendo. E é uma área que eu tenho um domínio maior por ser cineasta.
Outra área que o senhor atuou é a literatura. De que forma estão sendo pensadas as políticas de livro, leitura e literatura?
Vamos fortalecer a área do livro e da literatura, colocando isso em uma secretaria, que é a Secretaria da Economia da Cultura. E vamos começar a estudar. Há uma preocupação de se estudar novas formas de desenvolvimento do livro no Brasil. O índice de leitura é muito baixo e há uma competição imensa com uma literatura muito comercial. Eu acho que a gente precisa dar uma sacudida nessa área da literatura. E eu acho que a relação com a nova secretaria e com o próprio Ministério da Educação será muito importante na formulação dessa política.
Temos pensado muito nas leis de incentivo, numa política para literatura. A gente fica pensando no fim, que é a população. Então, é importante pensar sempre que essas políticas têm de beneficiar a população. Em tudo, a gente tem que fazer as seguintes perguntas: “qual é o efeito disso sobre a população? O que vai melhorar na vida das pessoas?”. Essas ideias vão permear bastante a política cultural desta gestão.
E como ter essa resposta mais próxima sobre o público?
A gente quer fazer muito política direta com os municípios. É neles onde há condições de ver quais são os talentos nascentes, quais são as necessidades de expressão. Dá para saber se tem biblioteca, se está boa, se as pessoas estão indo lá. É uma coisa mais localizada, mas, partir disso, se tem uma visão geral do que acontece no País.
Em relação a equipamentos culturais como museus e centros culturais. O senhor teria alguma proposta em mente que seria possível adiantar?
Os museus têm uma instituição, que é o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus, vinculada ao MinC), que tem uma tradição muito boa. Os museus mantêm sua identidade, sua independência de ação, mas têm o Ibram como órgão para resolver problemas de forma geral, verificar a qualidade do trabalho que está sendo desenvolvido em cada instituição e a ligação que essas instituições têm com a própria população. Porque este é o fim.
Às vezes, tem um museu todo perfeitinho, mas que não abre para o público. Parece restaurante que fecha na hora do almoço. Às vezes, há instituições públicas, como bibliotecas, que fecham aos sábados e aos domingos. E é uma briga para convencer que, no sábado e domingo, não pode fechar. Não estou nem dizendo que há museu que faz isso.
Em uma visita que o ministro e eu fizemos ao Ibram, com presença de 29 representantes (de museus), falamos muito disso de pensar na população: abrir os museus, fazer com que as pessoas se interessem mais por eles, (fazer) convênios com escolas que façam grupos para visitas monitoradas.
Também há uma preocupação grande com a finalidade dos museus. E, ao mesmo tempo, o Ibram, com uma ligação forte com eles, pode rastrear também museus que nem fazem parte da instituição ou do Estado, mas que estão em dificuldades ou que têm coisas interessantes, que estão precisando de apoio para que a gente possa ter uma diversidade muito grande de oferta na área museológica.
Como o senhor recebeu o convite para assumir a secretaria-executiva do Ministério da Cultura?
Essa é uma conversa de um certo tempo. Logo na transição do governo, meu nome acabou circulando bastante aqui. E eu estou um pouco acostumado com isso, porque, além de ser cineasta, sou escritor, tenho uma carreira longa, com muitos filmes, mas também sempre estive muito ligado às questões da política cultural. Liderei e participei muito de vários movimentos. Criei entidades na área da cultura. Fui secretário da Cultura de Estado (São Paulo). Depois, fui para o Memorial da América Latina, onde fui presidente por quatro anos. Quando surge alguma coisa na área da política cultural, meu nome acaba aparecendo. É um pouco honroso e, às vezes, um pouco perturbador, como se você estivesse à disposição.
O Roberto (Freire, ministro da Cultura), eu o conhece há muito tempo e, em particular, desde a campanha dele para Presidência da República (em 1989). Era uma espécie de anticandidatura. Uma candidatura questionadora. Evidentemente, naquele momento, havia pouca possibilidade (de se eleger), mas uma grande capacidade de polemizar a vida brasileira, de valorizar as conquistas da própria democracia brasileira.
Quando o Roberto me ligou, eu estava assistindo a um filme e o telefone começou a vibrar várias vezes e eu resolvi atender. Era o Roberto me procurando, querendo falar comigo. Eu tive um baque: ‘E agora?’. Porque eu ainda era presidente do Memorial da América Latina. É uma coisa que muda a sua vida. Eu teria que sair do Memorial. Teria que sair de São Paulo. Eu tive que pensar muito. Eu falei o seguinte para ele: ‘Olha, eu vou conversar com a minha mulher. Vou conversar com a Ana (Maria de Vasconcelos Garcia Andrade), que ele já conhecia, e depois, te ligo’.
E qual foi a resposta da sua esposa?
Conversei com a Ana, que é uma conselheira espetacular, e acabamos por aceitar, sabendo que seria um desafio muito grande em todos os sentidos, porque havia muita resistência por parte da área da cultura e, justamente do cinema.
Pensei: ‘como é que o pessoal do cinema vai receber essa notícia, essa minha aceitação?’ Eu também pensei, por outro lado, no seguinte: na história brasileira, eu participei demais, inclusive da política. Fui militante político antes de 1964. Foi um ano que mudou a minha vida, porque eu estava no quinto ano de Engenharia na melhor escola, na Politécnica de São Paulo, e não me formei.
Como militante do Partidão (Partido Comunista Brasileiro – PCB), tinha uma coisa muito boa. Apesar de todos os defeitos, havia uma preocupação muito grande com o País. O partido se preocupava mais com o país do que com ele, vinha desde os anos 50 em um processo de renovação imenso e, no meio depois dos anos 60, depois do golpe, a discussão era a seguinte: ‘qual é o caminho?’. E nós optamos pelo caminho da luta democrática: não entrar na luta armada, guerrilha, que a gente era crítico àquilo. Achava que não tinha sentido, que a gente tinha sofrido uma derrota muito desmoralizadora e com capacidade de reagir e tudo. A questão era acima da gente, quem tinha perdido era a democracia. Nós tínhamos que restaurar a democracia.
Eu me acostumei a lutar, a participar e a militar acreditando nas mudanças e não no domínio do poder, acreditando que a democracia, quando funciona, é um processo permanente de renovação, inserção de novas ideias e novos quadros políticos. Se há um governo novo que está abrindo oportunidades para uma boa ação em várias áreas da política brasileira e, evidente, é um governo de transição, que vai preparar o País para tempos melhores, para que as eleições de 2018 se deem em um país mais pacificado consigo mesmo e em melhores condições econômicas, por que não participar?
O senhor gostaria de deixar algum recado para os servidores e funcionários do Sistema MinC?
Eu sou uma pessoa que tem uma facilidade muito grande de me relacionar com funcionários e que escuta muito. É o que tenho feito aqui. Escuto muito. Acho importante conversar com pessoas que trabalham aqui há muito tempo, que já passaram por vários secretários com ideias diferentes. Essas ideias são todas muito interessantes. É importante ver com os olhos dos próprios funcionários, saber o que deu certo, o que deu errado. Eu confio muito nos funcionários.
Eu acho que nenhuma instituição funciona se cada um não cumprir a sua tarefa ou cobrir o espaço pelo qual é responsável. E eu brinco: “Quando eu assino um documento aqui, (eu pergunto) passou por todo mundo? Todo mundo viu? Ninguém achou nada errado? Se achou, tem alguma adaptação? Está tudo certo? E o Jurídico? E o pessoal ligado à área cultural? Então, está bom, eu assino”. Isso é importante: ter uma confiança grande no trabalho dos funcionários, porque são pessoas cujas vidas estão dedicadas a este trabalho. Pessoas que, às vezes, trabalham décadas, com uma experiência que é fundamental para a gente não cometer os mesmos erros e, se possível, inovar alguma coisa.
Camila Campanerut
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura
Fonte: http://www.cultura.gov.br/