Em parceria com o Consulado da França no Rio de Janeiro, evento reuniu painéis de debate sobre mecenato e fundos patrimoniais a partir da experiência de França e Brasil
O incêndio no Museu Nacional, ocorrido em setembro de 2018, ampliou as discussões em torno dos instrumentos para viabilizar o financiamento da manutenção e preservação de patrimônios culturais no Brasil. O episódio contribuiu para modificar o arcabouço legal do país, que passa a contar com a Lei nº 13.800/2019, atual reguladora de fundos patrimoniais constituídos por doações de empresas e pessoas físicas. Pioneira na valorização da cultura como política pública, a França é referência na constituição de fundos patrimoniais com a participação de instituições e empresas, incentivando o mecenato e planos de longo prazo para preservação de bens culturais.
Pensando nesse cenário e na oportunidade de troca de experiências, a CCI França-Brasil, em parceria o Consulado da França no Rio de Janeiro, e apoio da Veirano Advogados e Michelin, promoveu uma manhã de debates com a participação de autoridades públicas, líderes empresariais e institucionais, franceses e brasileiros. A inciativa contou com depoimentos de representantes do Ministério da Cultura da França, Museu do Louvre, BNDES, IBRAM e Fundação ENGIE.
“Para a CCIFB, cultura e economia caminham lado a lado. Faz parte das nossas missões estar aqui e fazer interagir instituições do setor público e privado para que, orientados pelos princípios de Responsabilidade Social Empresarial e Sustentabilidade, possamos refletir juntos sobre temas que são cruciais no avanço de sociedades e da economia”, declarou Jaqueline Saad, diretora-executiva da CCI França-Brasil do Rio de Janeiro, ao abrir o evento.
Marcos Ludwig, sócio do escritório Veirano Advogados e Conselheiro para assuntos internacionais da Associação de Amigos do Museu Nacional de Belas Artes, fez uma breve exposição do panorama geral dos principais museus da cidade do Rio de Janeiro e os riscos em que se encontram. “Temos uma situação de vulnerabilidade de bens culturais. Tanto o Museu do Amanhã quanto o Museu de Arte do Rio (MAR) são instituições recentes, e que já estão em uma situação crítica, atravessando períodos de crise. Na esfera estadual, temos a Casa França-Brasil que também enfrenta dificuldades quanto à manutenção e destinação do espaço. A falta de recursos ainda impacta eventos culturais estruturantes, a exemplo o Festival de Cinema do Rio de Janeiro”, alertou ao apresentar os temas de cada painel.
O papel do setor privado e a responsabilidade social empresarial
Mediado pelo Coordenador da Comissão de Responsabilidade Social Empresarial da CCIFB e responsável de Relações Institucionais da Michelin América Latina, Rodrigo Santiago, o primeiro painel trouxe para debate o papel do setor público e o engajamento da iniciativa privada no financiamento de bens culturais. “Quando falamos de território e comunidade, o desenvolvimento sustentável passa pelo legado para as gerações futuras e os patrimônios culturais são uma forma de construir isso”, destacou.
Formado por mais de 3.700 instituições museais, 65% delas de caráter público, o Brasil conta com um estoque de patrimônio cultural significativo, somando 69 milhões de bens patrimonializados. Anualmente, as instituições recebem mais de 32 milhões de visitantes. Os dados foram apresentados pelo Coordenador de Fomento e Financiamento do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Rodrigo Laurence Bezerra Marques, ao introduzir os mecanismos de gestão do governo destinados ao aporte de recursos no setor cultural, como a lei de incentivo à cultura, antiga lei Rouanet, que oferece incentivos fiscais às empresas apoiadoras de iniciativas culturais.
Para Marques, essa modalidade mostra a força do setor privado na área cultural, que nos últimos 10 anos destinou R$ 1,2 bilhão a cerca de 300 projetos. Ele acredita que a recente lei de constituição de fundos patrimoniais deverá ampliar essa participação. “Um parceria com o BNDES está sendo discutida para formação de um fundo geral destinado a todos os museus, havendo a possibilidade de constituição de fundos próprios dependendo das características de cada instituição. Neste tipo de modalidade, a França tem muito a nos ensinar”, afirmou.
Um exemplo de empresa que destina recursos via diferentes mecanismos – das leis de incentivo à cultura ao mecenato – é a francesa ENGIE. A gerente de desenvolvimento sustentável do grupo no Brasil, Cristina Ribeiro, mostrou projetos ligados à Fundação ENGIE, entidade há 10 anos no país que desenvolve iniciativas socioeducativas em diferentes áreas, entre as quais a cultural. Um exemplo é o projeto “Entre Museus”, uma parceria com mais de 20 instituições, como o Museu do Amanhã. Ela destacou as ações de governança para o suporte ao incentivo à cultura. “Há um arcabouço hierárquico de custos atrás da cessão de recursos incentivados. Temos um acompanhamento em equipe via auditorias e plataformas, seguindo orientações de compliance e governança, muitas vezes é preciso levar esse tipo de prática para as instituições”, pontuou.
O painel foi encerrado pelo Chefe da Missão de Mecenato do Ministério da Cultura da França, Robert Foh, que apresentou o cenário de incentivo à cultura na França. De acordo com Foh, a partir de 2004 a legislação francesa ampliou mecanismos para permitir o aumento de doações tanto de empresas quanto de pessoas físicas. Em 2008, houve a criação dos fonds de dotation. “Hoje, o total de doações declaradas pelas empresas é de 1,6 bilhão de euros para todos os setores combinados, e 2,3 bilhões por parte de pessoas físicas”, ressaltou. A lei ainda ampliou a criação de fundações, cerca de 5.000 organizações atuam na França, responsáveis pela administração de aproximadamente 2.500 fundos.
O marco legal: experiências França-Brasil
O último painel foi moderado pelo advogado Marcos Ludwig, e contou com a participação de Anne-Sophie Nardon, sócia do escritório Borghese Associés e especialista no marco legal francês relativo ao mecenato, e Cécile Vignot, vice-diretora de mecenato e parcerias do Museu do Louvre. Ambas trouxeram a expertise francesa na área de incentivo à cultura, com foco em ações tanto no âmbito legal quanto de comunicação, no caso do Louvre.
Para encerrar, Luciane Gorgulho, superintendente da área de gestão pública e socioambiental do BNDES, contextualizou a recente lei em vigor no Brasil que regulamenta a doação e constituição de fundos patrimoniais (Lei nº 13.800/2019). A instituição colaborou com o desenvolvimento da normativa por entender tratar-se de um instrumento importante para o avanço da preservação do interesse público e construção de legados para gerações futuras. “Ao colocar setor público e privado no mesmo marco regulatório, a legislação permitiu criar requisitos de governança e gestão que são fundamentais para se captar doadores”, destacou.